quarta-feira, 28 de dezembro de 2011

"Essa noite eu quero algo em que eu possa acreditar
Vou até o infinito pra te encontrar
Fico então, inflando de tesão
E o que resta no meu corpo, eu explodo nas incertezas do mundo

Essa noite eu quero..."

UMA de tantas.

segunda-feira, 12 de dezembro de 2011

O bom Legião de todo dia, pra todas as horas.

Quando o sol bater
Na janela do teu quarto,
Lembra e vê
Que o caminho é um só.

Porque esperar
Se podemos começar
Tudo de novo
Agora mesmo...

A humanidade é desumana
Mas ainda temos chance,
O sol nasce pra todos,
Só não sabe quem não quer...!

Quando o sol bater
Na janela do teu quarto,
Lembra e vê
Que o caminho é um só.

Até bem pouco tempo atrás,
Poderíamos mudar o mundo,
Quem roubou nossa coragem?

Tudo é dor,
E toda dor vem do desejo,
De não sentimos dor...!

Quando o sol bater
Na janela do teu quarto,
Lembra e vê
Que o caminho é um só.

(Legião)

segunda-feira, 21 de novembro de 2011

Com certeza eu sabia o que se passava com o mundo. E como haveria de não saber?! Eu enfrentava aquilo todos os dias. O difícil amanhecer. A entediante tarde. O melancólico anoitecer. Lindas e escuras noites estreladas, nas quais o desejo de voar era quase mortal. Eu sabia sim. Há bons anos lidando com esta coisa toda de viver, de uma forma nada simples, em desacordo com as tantas mulheres vítimas concordantes do machismo, nos tantos e infelizes lares ao redor do mundo, contentes por seu definido papel na sociedade. Eu tinha de catar folhas ao vento na tentativa de descobrir quais eram minhas cenas e falas. Não foi fácil ser a mulher do século XXI conforme haviam prometido. Na realidade, o mesmo projeto de homem bem sucedido, porém oportunamente atrasado, que deve crescer profissionalmente e ser um bom exemplo para as crianças – estando também exposta às tantas tentações dos vícios e do erro -, sem cometer a deselegância de esquecer-se de seu papel fundamental na manutenção da teatral e nova face da modernidade: o machismo velado, bem representado principalmente por mulheres
bem femininas. Mais triste e lamentável do que o original.
Mas minhas estradas nem sempre foram complicadas. E até este exato momento, já temerosa
dos primeiros cabelos brancos e gozando de confortável complacência com o passado, vejo que de nada me arrependo oficialmente. Entendo isso como sucesso. Mesmo tendo plena consciência das incontáveis e magníficas chances que perdi, correndo pelas ruas à procura de um banco para descansar, sempre exausta das tantas andarias na tentativa me encaixar como um tijolo das pirâmides do Egito, perfeitamente adaptados sem uso de cimento, neste mentecapto globo coberto por terra. É claro demais que essa perturbação constante fez de mim alguém sem norte, ao menos no que dizia respeito à visão de mundo que eu tinha. Vez em quando, eu deitava para dormir medrosa por conta destes desacertos que eu considerava puramente ópticos – pois, no mais, e mesmo aos trancos e barrancos, eu aceitava bem as intempéries e aprendia muito com tudo que conseguia captar -, que não me permitiram enxergar oportunidades, aos montes por aí, de provar que as coisas não eram bem assim. Então, ali, no escuro, eu refazia meus passos. Num toque fácil e acessível à mente, recobrava imagens registradas no inconsciente, e vasculhava cada canto. Às vezes, encontrava algo antes despercebido e resgatava. Nessa atmosfera lúgubre que criei para mim, há sempre esta alternativa viva e latejante. Acho que um dia cansarei de tentar consertar os caminhos percorridos. Mas não sei. Algo se agiganta de uma forma dentro de mim, que não posso evitar minhas fantasias. Ainda bem. Guardo forças para os momentos de desgraça que ainda virão... Num cantinho secreto das emoções, cujo endereço até mesmo eu desconheço por motivos de segurança. Quase impossível de ser tocado. De caráter abstrato e fugaz.
(...)
Eu que até ontem flutuei pelas estradas tortuosas com Kerouac, e naveguei pelas terras quentes e afofadas por palavras doces de Fernando Pessoa, em noites embriagantes de tanto amor... mergulhada em cativantes ondas de neve nos contos de José Condé, e enfeitiçada até às cutículas pelas lúdicas mentiras de Ariano Suassuna e uma porção família de outros, agora experimentava algo parecido com nostalgia ao ler, ao som da chuva da tarde que se prepara para partir, O livro
da Solidão, de Cecília Meireles, a um moribundo derrotado encantador. Era como ler um último livro. Não eu. Mas eu naquele mundo. Num mundo no qual aquelas pessoas todas com quem convivia – mesmo as milhares das quais eu nem tinha conhecimento – estavam registradas em minha consciência, sabidas por mim vivas ou mortas. Naquele dia, semana, ano, década. Ali. Ler pela última vez com o perfume de jasmim servindo de papel de parede para minha estória concretizada em mentalização. Dei uma pausa, olhei o soro que pingava lentamente, e desci para um café. Ele pareceu me incentivar com os olhos marejados, acompanhando meus passos pela quieta sala. Estávamos no último andar do hospital que, àquela hora da noite, em um sábado quente de verão, estava o mais vazio possível. O fim de ano se aproximava, para mim, não para Max. Um novo e pesado piscar de olhos e flash’s me trouxeram ele novamente, que apesar de toda aparente valentia, me demonstrava o medo de quem também sentira na pele os efeitos desastrosos da ideologia coletiva de quem devia não só dominar socialmente as mulheres, mas sim o mundo. Numa postura decorada firme, seu rijo sentar e sorrir nada puderam disfarçar a doçura que seus olhos entregavam de bandeja.

(Trechos do livro Sinceras desculpas - de Simone Dutra -, ainda em fase de produção)


terça-feira, 15 de novembro de 2011

A Grande Faxina

Hoje institui o meu dia oficial da vergonha na cara. Tirei o pó de antigas gavetas, de estantes esquecidas, dos bons e velhos livros – sempre me deixando um grande pingo de culpa por lembrar que ainda não foram lidos - e da minha escrivaninha, há tanto tempo parada, me esperando. Limpei delicada e cuidadosamente mesmo aqueles cantinhos que sempre deixamos para depois, em virtude da dificuldade de acessá-los.

Eu, que nunca quis ir tão longe, apenas o suficiente para satisfazer os olhos, com paisagens novas e para mim ainda secretas, hoje fiz uma viagem do tipo que ainda não é possível – as minhas provas são tão palpáveis quanto o lugar visitado. Tudo começou num estado de emergência. Eu, inundada por todas as noites enluaradas que eu perdi, transbordando todos os raios de sol que aquela casa impedia de entrar, adentrei, descortinando o nosso grande casulo, para que o pulmão, já sufocado, pudesse sentir um pouco de ar. Me certifiquei da antiga certeza de que as janelas nunca se fecharam bem... as portas tampouco. As paredes, o assoalho e todas as marcas no teto, seguiam lenta mas intensamente o caminho da ruína. Visitei cada cômodo inundado dos meus e dos teus destroços e, embalada por uma melodia dançante - daquelas que nos animam a fazer uma grande faxina - , ouvi os nossos passos estremecendo o velho chão de madeira. Rasguei em mil pedacinhos velhos fantasmas, visões deturpadas de mundos criados por uma criança sem norte – e qual haveria de ter? (Num mundo onde adultos procuram na ilusão o lugar mais firme para se apoiar, como uma criança, ainda sem um poder de abstração – e de auto-enganação - tal, poderia sentir aquela casa como um verdadeiro lar?) E não é que as minhas lindas bonecas ainda estavam lá? O cesto de frutas que colhemos naquela tarde também...

Guardei o que ainda parecia ter vida, por mais duvidoso que parecesse. E, para celebrar o final da visita, a festiva despedida de um mundo longínquo, vi todos os seus desenhos perdidos, amarelados e carcomidos pelo tempo e, ainda que com um pouco de dó, pela beleza que deles emanava, ateei fogo um a um, calma e conscientemente, em homenagem a tudo o que você planejou. Demorei para entender que todos os copos quebrados e lençóis manchados não precisavam decorar, feito quadros pendurados para todos os lados, o meu novo lar.

Eu, que nunca esperei por grandes mudanças, tive certeza de que só depois de botar de molho cada uma das pequenas lembranças - e daí só tirá-las quando a cor tivesse voltado ao seu natural -, de quebrar antigos santos e deuses, orações e ídolos que só existiam na mente do desespero, de libertar todo o meu corpo das amarras colocadas por mim mesma, apenas depois disso, eu poderia voltar a brincar de sonhar.

Se eu fiz questão de encarnar um papel que não era meu, hoje oficialmente peço demissão do cargo, com a total consciência de que até hoje eu vim sendo uma atriz medíocre, que não interpretava nem a si, nem a ti, mas a todas as criações de uma mente infantil. Dando corpo e um pouco de alma a uma réplica barata do passado, empoeirada, insossa e ultrapassada, como os restos de um antigo e melancólico cinema dos anos 30. Festas lá aconteceram, muito se chorou e muito se riu. Mas acabou. Acabou.

Antes de terminar a faxina, apenas para me certificar, olhei com muito cuidado embaixo da cama, para ter certeza de que nenhum resquício ficou. Surpreendentemente, de tanto e de tudo aquilo, que há pouco tempo parecia cada vez mais se agigantar, nada restou. Planos, projetos, projeções de novos mundos, tudo aquilo que dizem pertencer ao humano mais humano de mim, agora decoram nossa nova casa.

E o sol quente e forte – mas ainda agradável - de um verão de 93 voltou a brilhar, aquecendo todos os cantos, antes escuros, ora dourados, como o verão que está para chegar.

segunda-feira, 24 de outubro de 2011

O "contrato" social...

"O homem original é uma espécie de animal tranquilo, movido por poucas necessidades, indiviso, sem coerção e, consequentemente, feliz, ligado apenas ao presente. Mas permanece "estúpido e limitado". Ora, segundo sua natureza, ele também é perfectível, portanto chamado a se desenvolver. Aqui intervém a sociedade: apenas ela permite que se adquira a palavra, a memória, as ideias, os sentimentos, a consciência moral, em suma, as luzes. Infelizmente, essa educação dos homens foi feita ao acaso, sem princípios, sem reflexão, sem respeito pela ordem natural. O resultado é um estado em que as necessidades do homem se multiplicam, em que ele não as pode satisfazer sem o outro: torna-se cada vez mais fraco, cada vez mais dividido e preocupado, cada vez menos livre. Vive num estado de "agregação", onde cada um pensa em primeiro lugar em si mesmo, luta a fim de se fazer reconhecer e dominar. Para sobreviver é preciso fazer-se aceitar, submeter-se ou impor-se, portanto preocupar-se com a opinião dos outros. Esta é a pior escravidão: precisamos dissimular o que somos, parecer o que não somos. O homem natural se destrói sem se realizar, um eu fictício vai formando-se aos poucos e substitui nosso verdadeiro eu. Todos ficam divididos e infelizes, e acabam se acomodando com seus grilhões".

Rousseau - Prefácio de O Contrato Social (Ed. Martins Fontes, 1999)

domingo, 9 de outubro de 2011

(i)regrado

Escutando o doce silêncio dos pássaros voando por sobre o prédio
O tempo passa devagar
Fica mais fácil decifrar a indecorosa força e vontade de, por coisinhas mundanas, insistir e caminhar
Mas persiste um medo, não permito enganação
Arrastados anos de plena interna busca, refaço as perguntas, mas é ilusão
Vez em quando, me aprisiono em dias de legítimo peregrinar
E entendo que nada há que melhorar
Daí esqueço a espera, imperfeição
Vou, me deixo ficar
Desconcertantes são por ora estes numerosos óbices
De fronte, a encarar, uma natureza que por moeda alguma ignora o grito
Quem sabe mais um dedo de prosa? Não há de quê!
Preferível aos calados, inertes. A mim inoperantes. Será? Por quê?
Ao menos nos nossos madrugados sonhos é possível regurgitar essa sensata nitidez
Pois que venha finalmente um colorido só de bagunça
Ventania em parceria com o lugar
Bailando um louco grupo de areia, me convida pra cantar
É tempo real de felicidade aflorando os quintais de nossa efêmera juventude
Por entre os capins longos e verdes dos campos que há pouco me fizeram chorar

quarta-feira, 21 de setembro de 2011

Dos dias

Há dias em que eu me procuro por aí, em todas as paradas, em qualquer praça
Aqueles dias em que o mundo parece tão longe, tão longe, que é difícil se comunicar.
Há dias em que aqui, ou ali, tanto faz. Qual é a graça?
Eu fujo das piadas como diabo que foge da cruz... como pode alguém não saber errar?!

Há dias em que eu penso que, se todo ser humano fosse assim, que triste seria!
O desânimo seria rei, e a nossa grande rainha, a monotonia!

Todo mundo deveria aprender desde cedo a se encarar
A enxergar no outro o próprio reflexo a lhe falar
E então a sombra, que hoje incomoda e me pega pelo calcanhar
Não passaria de um fresco abrigo - porto-seguro - para um pássaro a fim de pousar.

Ah, como eu queria me encontrar por aí, roubando maçãs em algum quintal!
Cantando embalada por uma antiga melodia
Hoje em dia numa já velha e quebrada caixinha de música
Tão desengonçada e ansiosa que a própria bailarina, em agonia
Mesmo sendo até jeitosa, jamais conseguiria
Dançar no ritmo caótico e descompassado
De sequer uma dança até o final!

Há dias em que eu sei: esse reflexo no vidro da janela não é meu!
E aí eu percebo, que quem estava longe, longe mesmo, não era o mundo, mas era eu!

quarta-feira, 24 de agosto de 2011

Há tempos

Essa música sempre teve um significado especial pra nós. E, na falta de inspiração (leia-se tempo), é sempre bom recorrer ao mestre ;)

"Parece cocaína
Mas é só tristeza
Talvez tua cidade...
Muitos temores nascem
Do cansaço e da solidão
Descompasso, desperdício
Herdeiros são agora
Da virtude que perdemos...

Há tempos tive um sonho
Não me lembro, não me lembro...

Tua tristeza é tão exata
E hoje o dia é tão bonito
Já estamos acostumados
A não termos mais nem isso...

Os sonhos vêm e os sonhos vão
E o resto é imperfeito...

Dissestes que se tua voz
Tivesse força igual
À imensa dor que sentes
Teu grito acordaria
Não só a tua casa
Mas a vizinhança inteira...

E há tempos
Nem os santos têm ao certo
A medida da maldade
E há tempos são os jovens
Que adoecem
E há tempos
O encanto está ausente
E há ferrugem nos sorrisos
Só o acaso estende os braços
A quem procura
Abrigo e proteção...

Meu amor!
Disciplina é liberdade
Compaixão é fortaleza
Ter bondade é ter coragem

(Ela disse) Lá em casa tem um poço
Mas a água é muito limpa..."

sexta-feira, 29 de julho de 2011

nosso mundo abstrato

no kansas

eu acordei no meio do vendaval
como quem não sabe onde está
quando me dei conta o comum já tinha tomado conta de mim

olha aquela nuvem lá
olha o sol escondido logo atrás
e este vento querendo me levar

seguindo a linha do horizonte
vamos caminhar até aonde os nossos pés não vão mais
vamos andar livres pelo espaço
descobrir o nosso infinito
onde a nossa calma está

eu tive um sonho maluco onde tudo havia acabado
e eu tinha morrido
então me dei conta de que se tudo é simples
o nada é muito difícil

sente a melodia do amanhecer
e esta paz que vem me fortalecer
como se nada eu pudesse temer

seguindo a linha do horizonte
vamos caminhar até aonde os nossos pés não vão mais
vamos andar livres pelo espaço
descobrir o nosso infinito
onde a nossa paz está - nossa paz está!!

imagine como é olhar para o céu
e não ver mais a essência de tudo que existiu
e as estrelas sem luz...

(Letra de Simone Dutra, Márcia Tomazzoni e Sinara Dutra)

terça-feira, 12 de julho de 2011

Vida, agora

Ele tinha apenas 17 anos quando adentrou o jornal O Timoneiro acompanhado de sua mãe, portando uma doença que logo lhe arrancaria desta vida. Após dois anos de luta, partiu para um lugar que não sabemos onde é.
Eu, uma exagerada pesquisadora dos segundos, passei a vida refletindo sobre a existência e tentando extrair dela o melhor com avidez e pressa, embora mal saiba definir com profundidade honesta o que poderia sugerir o contrário dela. Mas eu não fugi ao comum, e contradizendo meus tantos romanceados escritos, também me acostumei com o enigmático TEMPO.
Talvez, ao contrário de nós, ignorantes da própria sorte até então, seu texto possa ir mais fundo usando das mesmas e corriqueiras frases que em tantos e eternizados momentos verbalizamos entusiasmados mas não conseguimos praticar.
Não tenho mais a dizer. Cedo este espaço à mensagem velha e repetida do vamos viver tudo o que há para viver - e a um último pedido de sua mãe - de alguém que sabia do que falava.

Em algum lugar da cidade, um menino rabiscava no papel... algo que pode tocar o coração de alguém; hoje, neste momento.

"Vida, agora

Nascer, crescer e morrer, parece estúpido demais, levando em conta a perfeição do organismo humano, as capacidades humanas e o desenvolvimento do pós-morte, seria ignorância demais, ou talvez, fácil demais crer que não passamos de seres orgânicos, e que a vida não passa de uma breve passagem.

A vida pode ter tantos sinônimos, tantas definições, mas certeza mesmo só temos uma, a vida é o presente, é o agora, é o inspirar e o expirar o oxigênio, é o bater do coração, é o sentir; pois depois do agora, tudo é limitado.

O agora é oportunidade para tudo. Para fazer, realizar, para construir, para sentir... Mesmo o agora sendo tão precioso, valorizamos antes dele o passado, apreciando as lembranças, ou o futuro, investimos energias para fazer planos e mais planos...

Se a vida é o agora, e isso é uma certeza, você já se perguntou o que estás fazendo do seu agora? Afinal, o agora é seu passaporte pra tudo. Por que você não está fazendo agora o que planeja fazer amanhã ou depois? Não importa limitações para o seu agora, esqueça as datas... os horários e os custos... sinta o seu agora circulando pelas suas veias, penetrando em suas narinas... Desfrute seu agora, ele é sua grande certeza, seu maior tesouro. O agora é vida, vida é ser, sentir... tudo no presente, pois o futuro é incerteza, o passado é intocável e o agora é tudo... tudo que você tiver vontade."

Thales Machado (05/09/10) (AM 01:31)

terça-feira, 5 de julho de 2011

Uma manhã de inverno

Acordei com os pés quase congelados. A cabeça meio tonta. Vontade zero de levantar meu corpo para minhas obrigações.

Mas nem mesmo havia o desejo de estar ali, deitada com o músculos doendo naquela cama, de tanto me virar a noite inteira. Eu tinha a certeza, naqueles instantes infernais e sem resquício algum de ânimo, de que eu não sabia o que queria nos segundos seguintes.

Desejei, então, quase desesperadamente, que alguma tragédia acontecesse, que me desse algum sentido para prosseguir com mais entusiasmo, ou menos, que fosse.

Mas mesmo com tudo isso, levantei-me. Havia compromisso seríssimo a cumprir. Aquele que nos garante mais um mês de contas pagas, e algo a mais para ajudar o tempo a passar.

Vesti-me de forma desconfortável, pela provável necessidade de repaginada no armário – coisa que nunca fiz, aliás. E saíra de forma apressada – o que odeio -, quase atrasada, e sem nenhuma motivação.

Na rua, o sol me veio nostálgico. Algumas esquinas ensolaradas e frias estavam elegantemente tristes e belas. Senti saudade de algo que não pude decifrar. Um aperto no peito, daqueles que doem demais, e não existem palavras para descrevê-los.

Segui meu caminho e procurei não levantar-me a questão da minha vida estar tão bagunçada e quando eu me dei conta era nisso que eu estava a divagar. Mas depois de eu sofrer por alguns instantes, tudo passou quando eu percebi que minha vida sempre fora bagunçada e que esse era o traço mais marcante da minha personalidade. Então me senti em casa outra vez.

O resto do caminho procurei não recordar os sonhos da adolescência morta. E estive atenta às pessoas nas ruas, seus penteados, suas roupas, seus carros... nesta manhã ninguém me causou inveja. Fiquei feliz comigo mesma.

E então a tarde se aproximava de mim. Era o fim daquela manhã de horas inacabáveis. Sutil e banal, quase desapercebível, não fossem as doses pequenas de depressão, nostalgia, tristeza e frustração.

quinta-feira, 30 de junho de 2011

Do velho teatro

Finalmente eu enxergo tudo claro. Como é.
Mas aí me envolvo (mais uma vez)
em uma situação tão completamente teatral...
Representações, representantes em pleno ato, máscaras...!
(Sempre as mesmas cenas, os mesmos gestos e piadas sem graça.
Sempre a mesma mediocridade incansavelmente ensaiada)
E então eu já esqueço tudo o que aprendi
Já entro de novo nesse teatro mudo, de mortos-vivos
Que se esquecem diariamente
Tão banalmente
Aquilo que, tão evidentemente,
A natureza não cansa de demonstrar:
É tudo gás, é tudo líquido, sólido e pó. Muito pó.

(...) Mas eu sigo, curiosa e estupidamente
Levando tudo isso a sério...

domingo, 12 de junho de 2011

Revendo nossos hábitos - por um Vegetarianismo ético*

As pessoas que excluem de sua alimentação todo e qualquer produto de origem animal – bem como boicotam produtos, empresas e qualquer atividade que envolvam a exploração animal -, tendo como motivo essencial o respeito para com os animais, o fazem por uma implicação ética - uso o termo “essencial”, pois podem existir outros motivos determinantes para tal atitude. Neste texto, no entanto, pretendo apresentar razões para a questão da alimentação, especificamente. Os demais âmbitos que a questão atinge, ainda que deveras importantes, poderão ser colocados em discussão a partir da reflexão que aqui proponho, ainda que atendo-me apenas aos hábitos de consumo alimentar (uma vez que o cerne da questão é o mesmo). O não-consumo, como manifestação diária (a cada refeição!), representa a discordância em relação ao sofrimento e às privações (inclui-se aqui a privação à própria vida) a que os animais são submetidos no processo de criação e abate, bem como é, também, um protesto contra esta indústria que reduz toda existência animal a produto de exploração e de consumo. Diante do julgamento que afirma injusto e moralmente incorreto todo o processo que envolve este hábito, estamos a tratar de uma questão ética.
          Sabemos que o ser humano necessita de alimento para viver e como comumente ouve-se por aí, “não há como viver sem matar”. Sim, infelizmente não há como viver sem matar. Mas há como viver sem causar tanto sofrimento e morte desnecessários; basta dispormos dos resultados das pesquisas científicas, que são de elevada importância, não só quando as verdades descobertas nos são convenientes.
Já que pesquisas científicas comprovam ser suficiente para a nutrição humana (uma vez que renomadas entidades especializadas em pesquisa na área de nutrição já publicaram tais resultados há pelo menos quase duas décadas), já que nós temos alternativas – porque continuarmos financiando este injusto processo de transformação da vida animal em produto? Já que o homem, desde os primórdios, aprendeu a cultivar os frutos da terra, que nos saciam organicamente, porque continuamos submetendo a este processo seres vivos que possuem uma dimensão a ser podada, castrada, reprimida, como ocorre com os animais? As plantas, segundo a sua gênese, por não possuírem dimensões físicas (estruturas) que possibilitariam a sensação, a consciência, a memória associativa e a inteligência prática (não possuem cérebro nem sistema nervoso), - características estas, todas presentes nos animais - não seriam, então, o alimento mais adequado nesta tentativa ávida que o homem perfaz todos os dias e a cada dia mais intensamente, na sua busca por justiça e paz? E ainda que elas apresentem alguma dimensão ainda desconhecida para nós – por exemplo, que venha a se descobrir algum tipo de capacidade sensitiva -, isto não implica que não façamos o que está definitivamente ao nosso alcance. Lembrando que, é muito provável que alguém que se preocupa com os animais (humanos e não-humanos), seja alguém também preocupado com o possível sofrimento de qualquer outro ser vivo. Estranho é alguém que sequer admite a nossa responsabilidade para com os animais – muitas vezes nem com os de sua própria espécie – questionar sobre a nossa responsabilidade para com a vida vegetal. **[a prática do vegetarianismo inclusive colabora com a redução do consumo de vegetais, já que nós comemos consideravelmente menos que os milhares de bovinos e outros animais que são sustentados à base de vegetais para serem abatidos]
         A privação de vivência e expressão de afetividade junto à prole, o impedimento de locomover-se no meio ambiente, a castração cruel da relação ativa e livre para com os elementos da natureza... O “procurar” a água para saciar a sede, o alimento para a fome, a demonstração de carinho com os outros seres, a “capacidade” de sofrimento. O que pesa neste momento, cabe dizer, é a incapacidade dos animais de defenderem-se e fazerem valer sua vontade frente ao homem, este animal tão extraordinariamente cheio de habilidades, por meio das quais é capaz de “domesticar” os animais, mas um animal tão extraordinariamente diferente dos outros também, pois que, mesmo tendo racionalidade e poder de escolha (qual é a implicação disto? É um privilégio que temos? Ou uma responsabilidade?), é o único capaz de destruir o seu próprio habitat.
Todo esse aparato de técnicas, teorias e filosofias (no sentido de ideal de vida) que o ser humano cria cada vez mais na sua busca incessante - e nunca tão inquietante como nos dias de hoje, - por uma cura para todos os seus males e para amenizar o sofrimento do animal homem, não o faz pensar no seu equívoco quando julga ter direito de incutir sofrimento assaz e contínuo em outros animais? Ora, quem deseja a paz, deve proporcionar paz, ao passo que, quem não deseja sofrimento a si próprio, não deve impor sofrimento a outrem. Não há efeito superior à causa, da mesma forma que não há como encontrarmos paz, enquanto considerarmos banal o sofrimento alheio. Quero enfatizar aqui: proponho que todos nós devemos nos esforçar para que seja dado início a um questionamento em relação ao que, até então, era dado por inquestionável. Precisamos despertar, uns aos outros, deste sono dogmático que por vezes toma conta de uma sociedade inteira em relação à determinada questão. Há quem um dia achou moralmente correto escravizar seres humanos por distinção de raça (recusando-se a admitir o fato de que a raça x fosse capaz de sofrimento como qualquer outra). Mas graças à transformação progressiva do pensamento humano e um constante questionamento da realidade, formas ultrapassadas – e equivocadas - de compreensão do mundo e da nossa sociedade vão sendo deixadas para trás.
          O homem, por ser capaz de produzir cultura e conhecimento, de tempos em tempos deve empreender o processo de rever, questionar e reconstruir aperfeiçoando as verdades e os valores constitutivos da sua visão de mundo, pois que regem seu comportamento nas relações com os outros seres vivos e para com o planeta. A este “movimento” que o homem deve fazer na tentativa de uma transcendência de si mesmo, a esta superação de valores repensados que caem por terra, ouso chamar de evolução, no sentido ético que é possível atribuir ao termo.

* Este texto foi escrito e publicado no jornal O Timoneiro (Canoas) e no site Sítio Vegetariano em 2006. Recentemente atualizado com alguns dados, como os citados abaixo.

** De 2000 para cá, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de cabeças de gado saltou de 170 milhões para aproximadamente 206 milhões – incremento de 21% [contra cerca de 192 milhões de habitantes humanos no país - estimativa do IBGE, 2010]. De acordo com o estudo “O Reino do Gado”, divulgado pela ONG Amigos da Terra no ano passado, a Amazônia conta com 74 milhões de cabeças de gado, na proporção de 3,3 por habitante – relação três vezes superior à média nacional.

terça-feira, 31 de maio de 2011

Divagando sobre a moral e a ética...

... Refletindo sobre o certo e o errado, vi que a única diferença entre os dois é a maneira como se olha para eles. Pensando sobre princípios, sobre valores, determinação, questão de ética, cheguei a uma singela conclusão: que todas as visões estão juntas e caminham praticamente para serem a mesma coisa. Ter princípios é saber-se quem é. Simples. E impossível seria saber-se quem se é desfrutando de determinação sobre atitudes, decisões, rumos e escolhas sobre si. E, uma vez que, sem princípios e determinação, a ética seria inexistente, pois, sem saber quem é, não se tem planos ou se toma decisões significativas, tampouco se determina a nada, que é seu resultado, e assim, também se ausencia à moral, que é nada mais, nada menos, do que nossos conceitos de certo e errado, e assim voltamos ao ponto de vista de quem vos escreve, de que estes são julgamentos apenas separados por tênues linhas de visões cansadas e que de nada sabem. Penso que em nosso caminhar há mais do que questões de pontos de vista pessoais, que por vezes é apenas severamente crítico e nada mais.
É cruel descartarmos o que aprendemos ao longo de nossas caminhadas por postura ou aparência; é pouco inteligente ignorarmos nossos aprendizados, vistos de nosso ângulo natural, para seguirmos passos de outros que renegaram seus desejos e fizeram história destruindo seus sonhos e acimentando sobre eles a missão de serem alguém admirado ou aceito por padrões que nada têm a ver com seus pensamentos ou vontades. Valores, a mim, são a combinação perpétua de caráter e dom. Quando eu falo caráter, falo no sentido de ser justo. E o dom, é a capacidade de se trilhar rumo à felicidade. Sem pré-conceitos, que são como prédios antigos, velhos, desbotados e carregados de histórias nostálgicas de um passado que não nos pertence mais. A ideologia não pode ceder à construções de prédios, engenheiro e operários baratos, ou à discursos e acordos que favorecem uns e prejudicam outros e que não nos levam a lugar algum. Refletindo sem cessar, sei que nada se justifica não se fazer feliz para acenar aos alheios e necessitar aplausos, tampouco, pouco conhecer-se e conhecer mais de outros do que seu próprio anseio e os passos que te levarão ao gozo de que dá o sentido de existir...

segunda-feira, 23 de maio de 2011

Água viva

Sou assim, feito água viva
Bailando pelas infindas curvas dessa correnteza feroz
Tentando me agarrar à qualquer coisa
Que me faça não ser mais um morto-vivo
Que me faça ser um som retumbante
Em meio à esse silêncio lancinante
Calmaria que vem de toda essa cegueira atroz

Em meio à toda essa multidão - de sentimentos - torpe
Eu carrego um coração desperto
Os olhos abertos
E talvez um embalo triste de alguma canção

Eu tenho vontade de gritar, gritar, gritar!
Pra todos vocês desse mundo
Um grito amargo
Com um ruído muito sujo

São mensagens e são palavras de algum poema
Que denunciam esse nosso segredo já tão conhecido
Em massa, vamos perpetuando esse grande esquema
De não dizer o que é reto, o que é verdadeiro, o que há de perdido!

O medo? Ah! Medo!
Sigo sempre ao teu lado
Como companheiro incansável que sou
Tantas vezes calado
Fico com as migalhas da paz
Que gentilmente Te dou

E cego, fingido, nesse bem-estar inventado
Toda noite me faço um teatro privado
Algo em mim se faz ator
Vê um mundo sem dor(?)!
Faz de conta que esquece
E faz de conta que adormece...

terça-feira, 17 de maio de 2011

A solitária

As escolas têm aquele ar maldoso, da típica sinceridade das crianças. Nela, pode se traumatizar uma pessoa que, talvez, jamais se cure.
A escola era uma armadilha. Como se tivesse que cuidar os passos para pisar por onde andava. Como se os degraus ou o piso pudessem de repente desaparecer e abrir-se um buraco em seus lugares. Das paredes saírem mãos a fim de a puxar para dentro de um acimentado sem fim. Vozes, gritos e gargalhadas eram como tiros adentrando seu corpo, este, mutilado pelas ideias de uma perseguição de ridicularização injustificada.
Sentada a um banco de cimento sem pintura, mãos nas coxas, observava as outras crianças a brincarem, num divertimento curioso. Uma alegria aparentemente inesgotável, de uma fonte invisível. Os risos soltos fáceis. As falas não direcionadas. Não censuradas. Numa forma prática de agir. Mexer os braços, as pernas, sem receio. Sem vergonha de exibir suas formas, roupas.
Experimentava, enquanto sua observação, o sentimento de limitação quanto a tudo que via. Uma carga de culpa por algo, como se fosse uma praga a ter que conviver com todos. Uma parasita a ser posta de lado, a seu lugar.
Difícil era entender por quê se sentia e era tão diferente dos demais.
Fosse o que fosse, aquilo causava uma dor absurda. Fosse culpa de ninguém, nem mesmo de si, nem mesmo de deus, ela pensava, não importava, o que sentia jamais poderia ser dividido por dois, ou por cem. Jamais poderia reduzir sua tristeza repartindo-a com alguém, se a tivesse.
Infração sua não tentar rever seus direitos de igualdade?!
Jamais ousaria questionar uma certeza de inferioridade dita por alheios. Mostrada por estranhos. Não por si. Mas por atos que vinham de outros. Estes diziam a vozes altas o valor e o preço das distintas visões conceituais.
Ficara o recreio inteiro só. Ninguém foi consigo sentar. Nem lhe falar. Sequer notaram sua presença. Era como se fosse pedaço de algum pilar. Do muro. Da cancha, de modo que poderia até ser atingida pelos chutes e boladas que não sentiria nada. Pois não há vida dentro de um tijolo e o nada jamais sentiria dor.
O toque de recolher tocou e todos foram se dirigindo às salas de aula. Menos ela. Um pensamento havia lhe tomado a mente.
Pior do que ser odiada, é sequer ser notada. E, instantaneamente, desejou ser odiada, como judas, por todos, para sentir-se segura.
Mas ninguém poderia odiá-la. Pensou. Por quê?
E muito rapidamente tudo estava vazio. E então, sentiu que daquela maneira sentia-se melhor. Perto de ninguém, não tem como ser pior. E entendeu que a solidão até lhe fazia bem. Pois lhe tirava de uma posição de defesa ou um julgamento constante, onde o que valia era o que consideravam normal.
Todos os recreios, em todos seus anos na escola, foram iguais. Presa por aqueles portões enormes, aprisionando seu corpo. Contudo, seus pensamentos voavam como pássaros livres no ar. Num amadurecimento solitário às duras manhãs intermináveis e frias dos invernos e infernalmente quentes e insuportáveis dos verões ainda mais alegres para quem se encaixava nos contextos das cenas de sua vida. Porém, menos doloridos de sentir. Como quando acostumamos com a dor.
A prolixidade de sua diferença ou, indiferença, a tudo, já fazia parte do que continha em si. Como um sinal gravado no corpo. De nascença.
Consigo, carrega ainda toda a bagagem entranhada das horas em que sua exclusão lhe levava à reflexão doída do preço a ser pago por se distinguir do que é a maioria.

sexta-feira, 13 de maio de 2011

Lugar-nenhum II

Existe um lugar onde o passo não é apertado. Um lugar onde o vento embala as árvores e o nosso ano não vem programado. Nesse lugar, a filosofia não é feita para a teoria, e a poesia não é relegada à estantes empoeiradas (ainda que seja gostoso constatar a passagem do tempo materializada).

Nesse lugar, a mortalha que tenta se passar por Filosofia tem para si um reduto próprio aos seus fins: um quartinho pouco iluminado, onde todas as verdadeiras lógicas e argumentos inúteis fazem-se companhia, aguardando pelo tal dia tão esperado (talvez algum túmulo condecorado).

Enquanto a poesia dança, embalada num ritmo entusiasmadamente irracional, eu penso no que seria desses dias cinzas, se não fossem os lapsos de honestidade humana (por vezes de uma beleza quase celestial): os blá-blá-blás de todo dia são como pétalas caindo no jardim... poderia ser diferente sendo para nós tão natural?

Num lugar assim, dentro de todas as geladeiras há cubos de gelo individuais em quadrados multicoloridos, e nos armários as xícaras de chá têm a cara do chalé de inverno de alguma avó. Quando chove há sempre um abrigo, logo ao seu lado. As ventanias só servem para levantar a poeira de lugares esquecidos, apagados. As festas são sempre na casa de amigos e os assuntos só esgotam quando o silêncio já é esperado.

A rima deixa de ser assim tão necessária. O acaso é confortável e morno, brando como o sol do outono. As ruas não quebram, não inundam. E os lares são feitos para durar para sempre.

terça-feira, 10 de maio de 2011

Futilidades e tolices


Alguns dias atrás pensei que iria enlouquecer, de verdade. Me desesperei. Foi um tal caos em mim.
E em tempos atrás eu até queria. Pensava eu que era legal esta história de ficar “doidão”. Me despir das etiquetas, da educação. Mas aí eu fui descobrindo coisas bem boas e gostosas de se fazer. Como, por exemplo, tomar cerveja e assistir a um bom filme, inteligente e engraçado, tudo junto, e etc.
Fui descobrindo que os “doidões” não têm relevância alguma entre os homens. Até aí, foda-se. Eu também não tenho muita consideração pelo “homem”. Acontece que eu entendi que para eu gozar de atividades que me fazem ter a certeza de que viver vale a pena, preciso ter alguma significância e certa credibilidade para, pelo menos, alguns homens. Porque preciso trabalhar e ter dinheiro. Infelizmente não sou daquelas pessoas que são felizes apenas morando numa fazenda modesta e deserta; uma cuia, uma bomba e uma viola.
Talvez essa futilidade toda que eu carregue comigo – e que faz parte de muita gente – seja um sinal de que minha alma não é tão evoluída como eu pensava. (Humm...). Sim, um dia eu pensei, seriamente, ser alguém superior (nem sei explicar esse “superior”).
E aí os anos foram passando e eu me acostumando com essa minha parte fútil. De gostar de ver programas de calouros e reality shows. E fui cansando de ficar me escondendo de minhas futilidades. Não quero mais tentar disfarçar, ligando o chuveiro, enquanto sentada no vaso sanitário, o barulho do secador de cabelo, que esquenta minhas pernas geladas. E faço isso porque tenho medo que pensem que sou louca!! E pensar que anos atrás eu queria realmente enlouquecer!
Quero assinar, em cartório, todas as minhas futilidades. São minhas, sim, e o que há de mal nisso? Todos têm defeitos... por que eu seria diferente?
Desculpem a todos que decepcionei. Sim, eu assisto novela, às vezes, e, sim, também sou romântica... pronto, falei!

sexta-feira, 6 de maio de 2011

Resumo da noite: sonho e pesadelo

Era quase meia noite quando a farra começou. Eu já estava de pijama, aparentando uma menina comportada. Na verdade, olhava pro teto lilás do quarto, buscando uma saída para todos os meus malditos problemas. A gritaria era de crianças, vinda da casa da veterinária da rua. Senti-me dentro do seriado do Chaves, morando na vila aquela. Na sala, alguém gritou algo, a descarga do banheiro fez um barulhão... e as crianças. Jaque, ao meu lado, se queixa da bagunça dos vizinhos e ameaça gritar algo na janela. Eu disse a ela de que de nada adiantaria, pois eles não iam nos ouvir e provavelmente o berro dela somente somaria aos demais e acordaria mais meia dúzia de pobres coitados proletários.

Após mais alguns desgraçados minutos de total indignação e impotência (ainda com a sensação de estar morando num cortiço), chego a conclusão de que só havia um motivo possível para aquela descabida festa em uma quinta-feira idiota que ultrapassava todos os limites do bom senso: eles haviam ganho na loteria!! Só podia ter sido isso. Liguei o ventilador para abafar a barulheira, uma última medida desesperada.

Então eu estava num sonho louco; pesadelo. Fazia uma prova superimportante e, de repente, tinha uma branco daqueles. Um colega me tocou uma caneta e nela continha todas as informações que eu precisava. Só que eu comecei a cegar aos poucos. Quando olhei no relógio, já havia passado 1 minuto da hora de entregar a porcaria da prova. Eu estava reprovada! Depois, uma explosão me separou definitivamente de Jaque e Sinara, e me fez dormir na rua e perambular dias e dias sem telefone celular e dinheiro. Ao fim, retornei ao colégio onde tudo começou, mas havia mais ninguém lá. Porém, no caminho, encontrei uma praia linda e inabitada. Pessoas ao meu lado me elogiavam o lugar, sem cogitar ser eu uma sobrevivente; e eu de pedir ajuda a eles para voltar pra casa.

Desperto no meio da noite e recordo conversas bobas que tive com Márcia e Sinara na internet e rio sozinha. Lembro novamente da festinha sem explicação que, com certeza, me causou aquele dormir turbulento e a odeio. Márcia dizia mais cedo que precisava se encontrar consigo mesma. Aí eu a pintei como uma maluca de capuz, vagando pelo campus da universidade com olhos borrados de preto e um cigarro na boca, e todas rimos, com nossas taças de vinho imaginárias nas mãos, cada uma em um canto da cidade, rindo das desgraças da vida juntas. Para completar, aconselhada por ela, quis ser uma velha no fim de sua fodida vida, com chapéu de palha e poucos dentes na boca, arando a terra de um sítio e desenterrando uma carta, convicta de sua vida difícil e nostálgica de toda a juventude, que começava assim: Querida e velha amiga...

O dia amanheceu e mais uma vez o teto lilás... Tomando café, eu segui o dia sonhando com nosso sítio, ao lado de Jaque novamente. Só que agora com o silêncio da tarde, que gritava tão alto quanto aquelas crianças da noite anterior. Eu não estava mais perdida...

quinta-feira, 5 de maio de 2011

O novo que virá


O sol se põe, deixando a tarde mais sombria e mais bonita; e a noite vai chegando devagarinho. O céu fica um azul mais escuro, e as estrelas vão aparecendo. Depois, o breu.

Então, a luz da lua faz iluminar. E a noite se faz total onipresente, imponente.

Mais horas se passam, num girar sem notar do planeta, e o sol novamente surge para dar luz a um novo dia. E assim, tudo outra vez. Assim, a vida vai se completando, para cada um, a sua forma. Ele nasce, ilumina o mundo, e tudo acorda para viver.

Criatura e as suas determinações. Seus instintos puros e impuros, sempre sob os julgamentos de um tal deus. Essa é a vida que se ensina, a vida que se aprende. A vida que as pessoas creem e querem amar.


Nos afloramentos sentimentais coletivos, a certeza é de que tudo será positivo e melhor no dia porvir. Que as pessoas serão mais educadas, mais belas, mais ricas, mais inteligentes, mais tudo de bom que haja para se desejar.


Festeja-se com champanhe, enquanto molha-se os pés no sal do mar, em meio a centenas de pedidos aos santos e estrelas para que sejamos abençoados pelo que tivermos que ser - pela água, pelas montanhas, nuvens e ar -, mais fortes, mais maduros, tolerantes, compreensivos e etc, dali pra frente; relembramos pessoas, choramos a nostalgia de momentos felizes, e a tristeza dos ruins; lamentamos, despreparados, os nossos erros e sofremos os arrependimentos de atitudes bobas e desesperadas que partiram de nossas mãos.


Mas ao nascer do sol do dia seguinte, ao passar do porre, alcoólico ou o emocional - de alegria -, percebemos, fria e decepcionadamente, que tudo está igual. Os nossos problemas são os mesmos. Nossos defeitos. Medos. Anseios. Nada está diferente do dia/ano que passou em algumas horas atrás.


Sabemos, pois mais maduros, e não por causa de numeração, mas porque amadurecemos a cada instante, a cada migalha de dor ou de felicidade, que teremos, se tivermos sorte, que enfrentarmos tantas provações ao longo dos nossos próximos minutos...


Sabemos que a vida continua e se algo muda é o nosso jeito de tratar do que temos, sejam as coisas boas ou ruins. E que o peso dos nossos carmas são pesos que teremos que carregar sós. E que as nossas dores só tocam a nós, e mesmo repartidas, são nossas, de ninguém mais.


E nessa reflexão que deprime após tanta euforia nas promessas e almejos no "tudo agora será diferente" - na imaginação inocente de que tudo será perfeito - a queda é de um degrau gigante, que nos remete à vida real; a realidade da qual não podemos subterfugiar em canto algum do universo.


E assim... segue o otimismo com suas facetas. A virada do ano é mais uma. Um motivo, uma data, para que todos tenham a fé de serem o que desejam ser momentanea ou futuramente... nesta caminhada cheia de joguetes e ciladas de cada inacabável dia.

domingo, 1 de maio de 2011

Lugar-nenhum I

Quem não precisa de subterfúgios / De esconderijos?
Quem não precisa de uma rota de fuga/ Previamente traçada
Para os momentos mais (in)certos?

Pra quem nunca enxergou algum caminho seguro/ Onde há amor e há o riso
Só resta a sombra de alguma rua/ Ou mesmo o delírio de alguma estrada
(Para onde vão todas as calmas e prazeres)/ Lugar onde nunca se está por perto.

Quem nunca precisou mentir/ Para dar alguma risada?
Quem nunca precisou fazer de conta/ Que a graça ainda não era acabada
E que a filosofia dos monges é uma grande piada?

Sonhei com algum lugar de chegada/ Parada estratégica para quem nunca se sentiu em casa
Como se a vida tivesse se feito desde sempre em território estrangeiro
Lugar onde nunca se sabe bem como agir/ E a vinda não é esperada.

Quem nunca desejou a solidão/ Mesmo por falta de outra possível jogada?
Quem não precisa encontrar a si mesmo/ Sem o reflexo do que é alheio
Para poder (con)viver em manadas?

Como todos já sabem/ E a história do medo já é manjada
Corri para a minha terra/ Onde o desconhecido me espera
E por um permanente estranhamento/ Me sinto verdadeiramente abraçada.

quinta-feira, 28 de abril de 2011

O que você quer?

Sol e frio. O dia amanheceu num outono sem mesmismos assombrando minha realidade inerte. A grande explicação para isto – a presente ausência da construção – tem contexto fácil e quase palpável: uma camada grossa de inconformismo incontrolável de viver uma vida de aparências, onde todos fazem somente o que deve ser feito, que me trava. É nesse ponto exato em que não sei realmente o que fazer. Portanto, não! Não acordei vendo tudo diferente. Sempre a mesma sensação de que estou no lugar errado, fazendo o que não quero fazer. Mas, afinal, o que eu estou fazendo?
Em troca de minhas toscas e velhas ilusões - ao olhar pela janela gradeada do meu quarto e ver um céu nublado e impotente em relação à chuva de logo mais, eu saboreio em doses nada contidas até o último pedaço de mim que ainda não desistiu de ver estrelas – eu queria mesmo que meu livro pudesse ser publicado hoje; Que a profunda falta de perspectiva para vencer todas as horas deste dia se transformasse numa bela oportunidade de comer espaguete acompanhado de vinho tinto suave, numa mesa composta por pessoas alegres e amadas, igual aos filmes, nos primeiros sinais do anoitecer e sem motivo especial; De que o medo de perder fosse embora, juntamente com a desesperança e o desconforto de simplesmente parecer não me encaixar nesta sociedade competitiva e que te arrasa na primeira tentativa de se aproximar do ideal.
Mas ainda não estou convencida do meu fracasso. Embora aos 27 anos eu de fato pareça muito mais perdida do que quando tinha apenas 17, eu certamente sei quem eu sou. E se tantos me apontaram muitas vezes e me fizeram duvidar de minhas escolhas, hoje eu posso dizer que vejo claramente o quanto eles estavam equivocados.
É claro que eu mudei também. Me formei com a ingênua ideia de salvar alguns mundos, e tive de brigar por um emprego, me permitindo a fazer coisas que nunca havia pensado que me prestaria, ao entrar nesta dança frenética e assustadora corrida por um sucesso o qual talvez eu nem reconheça como algo que faça sentido pra mim. É, eu sou adulta agora.
Mas... os sonhos são como folhas em branco num caderno de vida, pessoal e particular, que, aos poucos, nas horas vagas sem pressa, solitários nós colorimos sem vergonha ou receio nossas mais ávidas fantasias. Infantis como pratos de brigadeiro com granulado. E desta possibilidade infinita de viajar por um mundo só nosso, que nós escolhemos, surge a segurança da certeza: Quem amamos. O que queremos. O certo e o improvável. O poder da energia. Os valores do amor e do respeito. Nós mesmos.
O que você quer? Eu, agora, nesta tarde insípida, gostaria, dentre outras mil coisas, de uma casa no sítio e um cão chamado Preto. Uma varanda e uma horta para cuidar. A mente vazia por alguns valiosos segundos... sem grandes planos – somente eu e o acaso. E é claro, de dias assim sempre... de mesma leve melancolia, para continuar lembrando do que tanto desejo e ainda não tenho.
E você, o que quer de verdade?

terça-feira, 26 de abril de 2011

Da urgência.


Desde quando já nem lembro mais, sinto uma urgência de coisas verdadeiras e de momentos em que o teatro gasto dos dias dê férias a si mesmo – e a nós, paz! E num ímpeto, extravaso todas as minhas forças de um só momento, sem medir; tantas vezes de maneiras tão tortas, de falas absolutamente vergonhosas e gestos grosseiros, que não consigo impedir... O resto do tempo vivo em auto-cárcere, entre mil conversas comigo mesmo, aprisionado nesse país estrangeiro, com personagens que então só eu poderia entender. Mas hoje acordei sentindo que finalmente, em frente ao mar, tenho certeza da verdade que eu sempre quis te contar...

Dessa ânsia a corroer meu estômago, a fazer tremer o chão do meu quarto, toda vez que abro os olhos e vejo – em milésimos de segundo – um turbilhão de todas as nossas memórias mais bonitas e mais confusas. Como um pedido da minha própria natureza – ou daquilo que restou dela - de extravasar todas essas coisas contidas guardadas de tantos tristes carnavais, de tantos mágicos melancólicos e distantes natais. De famílias unidas, de festas imaginárias onde todos estavam presentes, menos nós. De feriados e domingos enfumaçados onde todas as horas parecem definitivamente mortas. Finais de tarde alaranjados onde todos os pássaros cantavam soltos por aí – mesmo que somente na nossa ingênua imaginação. Saudade dos tempos em que nós ainda não tínhamos olhos para ver tudo. De noites na areia da praia buscando sinais num céu estranhamente estrelado: um presente, diga-se não de passagem, que poucos entendem com a força e a intensidade que só aqueles que abraçam o acaso podem sentir.

Ei, meu amor, você pode entender? Nós vimos o mundo se derrubando. É como se nada completasse sempre que eu sinto esse vazio. Vazio de tudo o que foi corrompido de uma forma tão perdedora e vulgar: foi assim que renunciamos em massa, ao próprio ato de sonhar! O que ainda me acalma? É que lá no fundo eu sei: há sempre um pouco mais de tudo isso... Me esperando. Nos esperando pra reviver todos esses momentos em que nos sentimos andando sobre trilhos de trem, de um trem – antigo conhecido - que nos leve praqueles lugares tão constantemente presentes em todas as dez mil imaginações vindas de quadros e pinturas do passado... “Mas e se tudo mesmo acabar? Os planos que eu fiz e as pessoas que eu amo... ficarão todos pra trás?” A incapacidade humana de lidar com a finitude livremente traduzida em pequenas canções e versos que não se perderam no tempo, pois hoje fazem parte do que somos – ou parte daquilo que um dia sonhamos ser, pois, definitivamente, há uma parte de tudo que eu fiz questão de esquecer.

E toda vez que essa urgência bate fundo, desconfio que estou próximo desse algo pelo qual tenho procurado por tanto tempo. Que me faça finalmente soltar os braços e acordar sem a tensão de olhar o horizonte pela janela com receio de voltar meus olhos sobre as ruas; de ter força pra não desabar a qualquer sinal do ruído de cascos batendo no asfalto sem perder a coragem de seguir avançando, em silêncio. Só agora somos nós o bastante para saber que esse algo está nos simples sorrisos e no perfume da terra onde moram as árvores que ainda não tombaram. Que no sol de cada dia se esconde um precioso segredo onde não há nada de sobrenatural, apenas acaso - um intenso acaso - e que não nos resta absolutamente nenhuma escolha, a não ser viver como se estivéssemos preparados para receber o que ele tem a nos oferecer. Num mundo onde tudo foi feito pra acabar, há algo mais, muito mais pelo que – e por quem - se pode lutar, além dos próprios fantasmas.

Tão óbvia quanto à própria vida, nossa loucura nos fez mais despertos pra grandeza das pequenas coisas – não é sempre, mas às vezes eu enxergo assim.