quinta-feira, 28 de abril de 2011

O que você quer?

Sol e frio. O dia amanheceu num outono sem mesmismos assombrando minha realidade inerte. A grande explicação para isto – a presente ausência da construção – tem contexto fácil e quase palpável: uma camada grossa de inconformismo incontrolável de viver uma vida de aparências, onde todos fazem somente o que deve ser feito, que me trava. É nesse ponto exato em que não sei realmente o que fazer. Portanto, não! Não acordei vendo tudo diferente. Sempre a mesma sensação de que estou no lugar errado, fazendo o que não quero fazer. Mas, afinal, o que eu estou fazendo?
Em troca de minhas toscas e velhas ilusões - ao olhar pela janela gradeada do meu quarto e ver um céu nublado e impotente em relação à chuva de logo mais, eu saboreio em doses nada contidas até o último pedaço de mim que ainda não desistiu de ver estrelas – eu queria mesmo que meu livro pudesse ser publicado hoje; Que a profunda falta de perspectiva para vencer todas as horas deste dia se transformasse numa bela oportunidade de comer espaguete acompanhado de vinho tinto suave, numa mesa composta por pessoas alegres e amadas, igual aos filmes, nos primeiros sinais do anoitecer e sem motivo especial; De que o medo de perder fosse embora, juntamente com a desesperança e o desconforto de simplesmente parecer não me encaixar nesta sociedade competitiva e que te arrasa na primeira tentativa de se aproximar do ideal.
Mas ainda não estou convencida do meu fracasso. Embora aos 27 anos eu de fato pareça muito mais perdida do que quando tinha apenas 17, eu certamente sei quem eu sou. E se tantos me apontaram muitas vezes e me fizeram duvidar de minhas escolhas, hoje eu posso dizer que vejo claramente o quanto eles estavam equivocados.
É claro que eu mudei também. Me formei com a ingênua ideia de salvar alguns mundos, e tive de brigar por um emprego, me permitindo a fazer coisas que nunca havia pensado que me prestaria, ao entrar nesta dança frenética e assustadora corrida por um sucesso o qual talvez eu nem reconheça como algo que faça sentido pra mim. É, eu sou adulta agora.
Mas... os sonhos são como folhas em branco num caderno de vida, pessoal e particular, que, aos poucos, nas horas vagas sem pressa, solitários nós colorimos sem vergonha ou receio nossas mais ávidas fantasias. Infantis como pratos de brigadeiro com granulado. E desta possibilidade infinita de viajar por um mundo só nosso, que nós escolhemos, surge a segurança da certeza: Quem amamos. O que queremos. O certo e o improvável. O poder da energia. Os valores do amor e do respeito. Nós mesmos.
O que você quer? Eu, agora, nesta tarde insípida, gostaria, dentre outras mil coisas, de uma casa no sítio e um cão chamado Preto. Uma varanda e uma horta para cuidar. A mente vazia por alguns valiosos segundos... sem grandes planos – somente eu e o acaso. E é claro, de dias assim sempre... de mesma leve melancolia, para continuar lembrando do que tanto desejo e ainda não tenho.
E você, o que quer de verdade?

terça-feira, 26 de abril de 2011

Da urgência.


Desde quando já nem lembro mais, sinto uma urgência de coisas verdadeiras e de momentos em que o teatro gasto dos dias dê férias a si mesmo – e a nós, paz! E num ímpeto, extravaso todas as minhas forças de um só momento, sem medir; tantas vezes de maneiras tão tortas, de falas absolutamente vergonhosas e gestos grosseiros, que não consigo impedir... O resto do tempo vivo em auto-cárcere, entre mil conversas comigo mesmo, aprisionado nesse país estrangeiro, com personagens que então só eu poderia entender. Mas hoje acordei sentindo que finalmente, em frente ao mar, tenho certeza da verdade que eu sempre quis te contar...

Dessa ânsia a corroer meu estômago, a fazer tremer o chão do meu quarto, toda vez que abro os olhos e vejo – em milésimos de segundo – um turbilhão de todas as nossas memórias mais bonitas e mais confusas. Como um pedido da minha própria natureza – ou daquilo que restou dela - de extravasar todas essas coisas contidas guardadas de tantos tristes carnavais, de tantos mágicos melancólicos e distantes natais. De famílias unidas, de festas imaginárias onde todos estavam presentes, menos nós. De feriados e domingos enfumaçados onde todas as horas parecem definitivamente mortas. Finais de tarde alaranjados onde todos os pássaros cantavam soltos por aí – mesmo que somente na nossa ingênua imaginação. Saudade dos tempos em que nós ainda não tínhamos olhos para ver tudo. De noites na areia da praia buscando sinais num céu estranhamente estrelado: um presente, diga-se não de passagem, que poucos entendem com a força e a intensidade que só aqueles que abraçam o acaso podem sentir.

Ei, meu amor, você pode entender? Nós vimos o mundo se derrubando. É como se nada completasse sempre que eu sinto esse vazio. Vazio de tudo o que foi corrompido de uma forma tão perdedora e vulgar: foi assim que renunciamos em massa, ao próprio ato de sonhar! O que ainda me acalma? É que lá no fundo eu sei: há sempre um pouco mais de tudo isso... Me esperando. Nos esperando pra reviver todos esses momentos em que nos sentimos andando sobre trilhos de trem, de um trem – antigo conhecido - que nos leve praqueles lugares tão constantemente presentes em todas as dez mil imaginações vindas de quadros e pinturas do passado... “Mas e se tudo mesmo acabar? Os planos que eu fiz e as pessoas que eu amo... ficarão todos pra trás?” A incapacidade humana de lidar com a finitude livremente traduzida em pequenas canções e versos que não se perderam no tempo, pois hoje fazem parte do que somos – ou parte daquilo que um dia sonhamos ser, pois, definitivamente, há uma parte de tudo que eu fiz questão de esquecer.

E toda vez que essa urgência bate fundo, desconfio que estou próximo desse algo pelo qual tenho procurado por tanto tempo. Que me faça finalmente soltar os braços e acordar sem a tensão de olhar o horizonte pela janela com receio de voltar meus olhos sobre as ruas; de ter força pra não desabar a qualquer sinal do ruído de cascos batendo no asfalto sem perder a coragem de seguir avançando, em silêncio. Só agora somos nós o bastante para saber que esse algo está nos simples sorrisos e no perfume da terra onde moram as árvores que ainda não tombaram. Que no sol de cada dia se esconde um precioso segredo onde não há nada de sobrenatural, apenas acaso - um intenso acaso - e que não nos resta absolutamente nenhuma escolha, a não ser viver como se estivéssemos preparados para receber o que ele tem a nos oferecer. Num mundo onde tudo foi feito pra acabar, há algo mais, muito mais pelo que – e por quem - se pode lutar, além dos próprios fantasmas.

Tão óbvia quanto à própria vida, nossa loucura nos fez mais despertos pra grandeza das pequenas coisas – não é sempre, mas às vezes eu enxergo assim.