quinta-feira, 30 de junho de 2011

Do velho teatro

Finalmente eu enxergo tudo claro. Como é.
Mas aí me envolvo (mais uma vez)
em uma situação tão completamente teatral...
Representações, representantes em pleno ato, máscaras...!
(Sempre as mesmas cenas, os mesmos gestos e piadas sem graça.
Sempre a mesma mediocridade incansavelmente ensaiada)
E então eu já esqueço tudo o que aprendi
Já entro de novo nesse teatro mudo, de mortos-vivos
Que se esquecem diariamente
Tão banalmente
Aquilo que, tão evidentemente,
A natureza não cansa de demonstrar:
É tudo gás, é tudo líquido, sólido e pó. Muito pó.

(...) Mas eu sigo, curiosa e estupidamente
Levando tudo isso a sério...

domingo, 12 de junho de 2011

Revendo nossos hábitos - por um Vegetarianismo ético*

As pessoas que excluem de sua alimentação todo e qualquer produto de origem animal – bem como boicotam produtos, empresas e qualquer atividade que envolvam a exploração animal -, tendo como motivo essencial o respeito para com os animais, o fazem por uma implicação ética - uso o termo “essencial”, pois podem existir outros motivos determinantes para tal atitude. Neste texto, no entanto, pretendo apresentar razões para a questão da alimentação, especificamente. Os demais âmbitos que a questão atinge, ainda que deveras importantes, poderão ser colocados em discussão a partir da reflexão que aqui proponho, ainda que atendo-me apenas aos hábitos de consumo alimentar (uma vez que o cerne da questão é o mesmo). O não-consumo, como manifestação diária (a cada refeição!), representa a discordância em relação ao sofrimento e às privações (inclui-se aqui a privação à própria vida) a que os animais são submetidos no processo de criação e abate, bem como é, também, um protesto contra esta indústria que reduz toda existência animal a produto de exploração e de consumo. Diante do julgamento que afirma injusto e moralmente incorreto todo o processo que envolve este hábito, estamos a tratar de uma questão ética.
          Sabemos que o ser humano necessita de alimento para viver e como comumente ouve-se por aí, “não há como viver sem matar”. Sim, infelizmente não há como viver sem matar. Mas há como viver sem causar tanto sofrimento e morte desnecessários; basta dispormos dos resultados das pesquisas científicas, que são de elevada importância, não só quando as verdades descobertas nos são convenientes.
Já que pesquisas científicas comprovam ser suficiente para a nutrição humana (uma vez que renomadas entidades especializadas em pesquisa na área de nutrição já publicaram tais resultados há pelo menos quase duas décadas), já que nós temos alternativas – porque continuarmos financiando este injusto processo de transformação da vida animal em produto? Já que o homem, desde os primórdios, aprendeu a cultivar os frutos da terra, que nos saciam organicamente, porque continuamos submetendo a este processo seres vivos que possuem uma dimensão a ser podada, castrada, reprimida, como ocorre com os animais? As plantas, segundo a sua gênese, por não possuírem dimensões físicas (estruturas) que possibilitariam a sensação, a consciência, a memória associativa e a inteligência prática (não possuem cérebro nem sistema nervoso), - características estas, todas presentes nos animais - não seriam, então, o alimento mais adequado nesta tentativa ávida que o homem perfaz todos os dias e a cada dia mais intensamente, na sua busca por justiça e paz? E ainda que elas apresentem alguma dimensão ainda desconhecida para nós – por exemplo, que venha a se descobrir algum tipo de capacidade sensitiva -, isto não implica que não façamos o que está definitivamente ao nosso alcance. Lembrando que, é muito provável que alguém que se preocupa com os animais (humanos e não-humanos), seja alguém também preocupado com o possível sofrimento de qualquer outro ser vivo. Estranho é alguém que sequer admite a nossa responsabilidade para com os animais – muitas vezes nem com os de sua própria espécie – questionar sobre a nossa responsabilidade para com a vida vegetal. **[a prática do vegetarianismo inclusive colabora com a redução do consumo de vegetais, já que nós comemos consideravelmente menos que os milhares de bovinos e outros animais que são sustentados à base de vegetais para serem abatidos]
         A privação de vivência e expressão de afetividade junto à prole, o impedimento de locomover-se no meio ambiente, a castração cruel da relação ativa e livre para com os elementos da natureza... O “procurar” a água para saciar a sede, o alimento para a fome, a demonstração de carinho com os outros seres, a “capacidade” de sofrimento. O que pesa neste momento, cabe dizer, é a incapacidade dos animais de defenderem-se e fazerem valer sua vontade frente ao homem, este animal tão extraordinariamente cheio de habilidades, por meio das quais é capaz de “domesticar” os animais, mas um animal tão extraordinariamente diferente dos outros também, pois que, mesmo tendo racionalidade e poder de escolha (qual é a implicação disto? É um privilégio que temos? Ou uma responsabilidade?), é o único capaz de destruir o seu próprio habitat.
Todo esse aparato de técnicas, teorias e filosofias (no sentido de ideal de vida) que o ser humano cria cada vez mais na sua busca incessante - e nunca tão inquietante como nos dias de hoje, - por uma cura para todos os seus males e para amenizar o sofrimento do animal homem, não o faz pensar no seu equívoco quando julga ter direito de incutir sofrimento assaz e contínuo em outros animais? Ora, quem deseja a paz, deve proporcionar paz, ao passo que, quem não deseja sofrimento a si próprio, não deve impor sofrimento a outrem. Não há efeito superior à causa, da mesma forma que não há como encontrarmos paz, enquanto considerarmos banal o sofrimento alheio. Quero enfatizar aqui: proponho que todos nós devemos nos esforçar para que seja dado início a um questionamento em relação ao que, até então, era dado por inquestionável. Precisamos despertar, uns aos outros, deste sono dogmático que por vezes toma conta de uma sociedade inteira em relação à determinada questão. Há quem um dia achou moralmente correto escravizar seres humanos por distinção de raça (recusando-se a admitir o fato de que a raça x fosse capaz de sofrimento como qualquer outra). Mas graças à transformação progressiva do pensamento humano e um constante questionamento da realidade, formas ultrapassadas – e equivocadas - de compreensão do mundo e da nossa sociedade vão sendo deixadas para trás.
          O homem, por ser capaz de produzir cultura e conhecimento, de tempos em tempos deve empreender o processo de rever, questionar e reconstruir aperfeiçoando as verdades e os valores constitutivos da sua visão de mundo, pois que regem seu comportamento nas relações com os outros seres vivos e para com o planeta. A este “movimento” que o homem deve fazer na tentativa de uma transcendência de si mesmo, a esta superação de valores repensados que caem por terra, ouso chamar de evolução, no sentido ético que é possível atribuir ao termo.

* Este texto foi escrito e publicado no jornal O Timoneiro (Canoas) e no site Sítio Vegetariano em 2006. Recentemente atualizado com alguns dados, como os citados abaixo.

** De 2000 para cá, segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), o número de cabeças de gado saltou de 170 milhões para aproximadamente 206 milhões – incremento de 21% [contra cerca de 192 milhões de habitantes humanos no país - estimativa do IBGE, 2010]. De acordo com o estudo “O Reino do Gado”, divulgado pela ONG Amigos da Terra no ano passado, a Amazônia conta com 74 milhões de cabeças de gado, na proporção de 3,3 por habitante – relação três vezes superior à média nacional.